quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Como se constitui um currículo escolar?

Sabe-se que o currículo escolar é um dos pontos mais difíceis a serem enfrentados pela escola. Duas questões podem ser inicialmente levantadas em relação a esse aspecto: § Quem define o que e como a escola deve ensinar? Tradicionalmente, as escolas públicas têm a sua prática pedagógica determinada ou por orientações oriundas das secretarias de educação ou pelos próprios livros didáticos. Isso resulta, na maioria das vezes, em uma prática curricular muito pobre, que não leva em conta nem a experiência trazida pelo próprio professor, nem a trazida pelo aluno, ou mesmo às características da comunidade em que a escola está inserida. Por outro lado, isso restringe a autonomia intelectual do professor e o exercício da sua criatividade. E pior: não permite que a escola construa sua identidade. § Relacionada a isso, existe uma concepção restrita de currículo, próxima do conceito de programa ou, pior ainda, de uma simples grade curricular, ou de mera listagem dos conteúdos que devem ser tratados. Daí porque muitos professores se orientam apenas pelos sumários ou índices dos livros didáticos. O currículo, entretanto, abrange tudo o que ocorre na escola, as atividades programadas e desenvolvidas sob a sua responsabilidade e que envolvem a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos, na própria escola ou fora dela, e isso precisa ser muito bem pensado na hora de elaborar um projeto político-pedagógico. Assim sendo, é indispensável que a escola se reúna para discutir a concepção atual de currículo expressa tanto na LDBEN quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os diferentes níveis de ensino e também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). A legislação educacional brasileira, quanto à composição curricular, contempla dois eixos: § Uma Base Nacional Comum, com a qual se garante uma unidade nacional, para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício da vida cidadã. A Base Nacional Comum é, portanto, uma dimensão obrigatória dos currículos nacionais e é definida pela União. § Uma Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se compõe de conteúdos complementares, identificados na realidade regional e local, que devem ser escolhidos em cada sistema ou rede de ensino e em cada escola. Assim, a escola tem autonomia para incluir temas de seu interesse.[1] É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. A composição curricular deve buscar a articulação entre os vários aspectos da vida cidadã (a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura, as linguagens) com as áreas de conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação Religiosa). Há várias formas de composição curricular, mas os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam que os modelos dominantes na escola brasileira, multidisciplinar e pluridisciplinar, marcados por uma forte fragmentação, devem ser substituídos, na medida do possível, por uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar. O que isso significa? Interdisciplinaridade significa a interdependência, interação e comunicação entre campos do saber, ou disciplinas, o que possibilita a integração do conhecimento em áreas significativas. Transdisciplinaridade é a coordenação do conhecimento em um sistema lógico, que permite o livre trânsito de um campo de saber para outro, ultrapassando a concepção de disciplina e enfatizando o desenvolvimento de todas as nuances e aspectos do comportamento humano. Com base nessas formas de composição curricular, é que os Parâmetros Curriculares Nacionais introduzem os temas transversais que, tomando a cidadania como eixo básico, vão tratar de questões que ultrapassam as áreas convencionais, mas permeiam a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas dessas áreas. Essa transversalidade supõe uma transdisciplinaridade, o que vai permitir tratar uma única questão a partir de uma perspectiva plural. Isso exige o comprometimento de toda a comunidade escolar com o trabalho em torno dos grandes temas[2] definidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, como Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, os quais podem ser particularizados ou especificados a partir do contexto da escola. Como essas determinações formais do currículo vão se manifestar na escola? A sua concretização, no espaço dinâmico que é o da escola, vai produzir, simultaneamente, diferentes formas de expressão do currículo. Ao lado do currículo formal[3], determinado legalmente e colocado nas diretrizes curriculares, nas propostas pedagógicas e nos planos de trabalho, há um currículo em ação, considerado o currículo real[4], que é aquilo que de fato acontece na escola, e o currículo oculto[5], que é aquilo que não está formalmente explicitado, mas que perpassa, o tempo todo, as atividades escolares. Essas expressões do currículo vão constituir o conjunto das aprendizagens realizadas pelos alunos, e o reconhecimento dessa trama, presente na vida escolar, vai dar à equipe da escola melhores condições para identificar as áreas problemáticas[6] da sua prática pedagógica. Assim, no processo de elaboração da proposta pedagógica – ao definir o que ensinar, para que ensinar, como ensinar –, a equipe gestora e a comunidade escolar devem estudar a legislação educacional, bem como a documentação oficial da Secretaria de Educação e do Conselho Estadual e ou Municipal de Educação, produzida com o objetivo de orientar a implantação desses dispositivos legais no que se refere ao currículo. A partir daí, torna-se necessário identificar que ações precisam ser planejadas e realizadas pela escola para colocar em prática um currículo que contemple os objetivos da educação básica. A direção da escola, ou a equipe gestora como um todo, tem, nesse contexto, um papel fundamental. Além de liderar a construção permanente da proposta pedagógica, deve estar todo o tempo viabilizando as condições para sua execução, e uma delas é a formação contínua de seus professores para que eles possam desenvolver, com competência, o currículo expresso na proposta pedagógica. Sobre tudo o que foi dito neste segmento de módulo, pense: como o currículo é compreendido pelos educadores que constituem o coletivo da sua escola? [1] Um exemplo de conteúdo da parte diversificada é o escolhido por uma escola do semi-árido baiano: estratégias para a convivência com a seca. [2] Esses temas, que têm um caráter universal, devem ser trazidos para o contexto local de forma que o aluno aprenda da realidade e na realidade. Para atingir aquilo a que se propõe, até como decorrência da própria lei, a escola precisa ensinar a criança a estabelecer relações entre a sua experiência cotidiana e os conteúdos escolares, em torno dos quais todos trabalharão, ampliando, assim, o seu universo de referência. A escola deve, acima de tudo, fornecer as condições para que seus alunos participem da formulação e reformulação de conceitos e valores, tendo em vista que o ato de conhecer implica incorporação, produção e transformação do conhecimento, para o exercício de uma cidadania responsável. [3] O currículo formal é entendido como o conjunto de prescrições oriundas das diretrizes curriculares, produzidas tanto no âmbito nacional quanto nas secretarias e na própria escola e indicado nos documentos oficiais, nas propostas pedagógicas e nos regimentos escolares. [4] O currículo real é a transposição pragmática do currículo formal, é a interpretação que professores e alunos constroem, conjuntamente, no exercício cotidiano de enfrentamento das dificuldades, sejam conceituais, materiais, de relação entre professor e alunos e entre os alunos. São as sínteses construídas por professores e alunos, a partir dos elementos do currículo formal e das experiências pessoais de cada um. [5] O currículo oculto é aquele que escapa das prescrições, sejam elas originárias do currículo formal ou do real. Diz respeito àquelas aprendizagens que fogem ao controle da própria escola e do professor e passam quase despercebidas, mas que têm uma força formadora muito intensa. São as relações de poder entre grupos diferenciados dentro da escola que produzem aceitação ou rejeição de certos comportamentos, em prejuízo de outros, são os comportamentos de discriminação dissimulada das diferenças e, até mesmo, a existência de uma profecia auto-realizadora dos professores que classifica, de antemão, certos alunos como bons e outros como maus. O currículo oculto também vai se manifestar,entre outras formas, na maneira como os funcionários tratam os alunos e seus pais, no modo de organização das salas de aula, no tipo de cartaz pendurado nas paredes, nas condições de higiene e conservação dos sanitários, no próprio espaço físico da escola. [6] Diante disso, há algumas questões básicas que toda a escola deveria analisar: Que mensagens não explícitas a escola vem passando para seus alunos? Que conteúdos vêm privilegiando? Que currículo está sendo construído – o que enfatiza o sucesso escolar, ou o que, implicitamente, se conforma com o fracasso?

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